Amor de mãe

Marvin ontem foi dormir às 20:30. Até que foi tranquilo. Acredite, tem dias que fazer ele dormir é tipo uma hora de aula de Crossfit sem tempo pra respirar. Marvin aparentemente nasceu sem o chip de gostar de dormir. Tipo a mãe.

Eu aproveitei que tava com a cabeça cheia de coisas pra pesquisar, sentei na sala, abri o computador e umas 10 abas do navegador comecei a ler tudo que eu queria. Óbvio que quando você tá fazendo algo que quer, o tempo corre, e aí quando vi já era quase uma da manhã.

Escovei os dentes, fui deitar. E aí aconteceu. Marvin mexeu, virou pra um lado, virou para o outro, e aí eu já sabia, ele tava acordando. Deitei rápido, e coloquei ele pra mamar. Vai que deu tempo né? Talvez ele ainda não tenha realmente acordado, esperança é a última que morre.

Mas, já era tarde. Ele tava acordado. Fiquei ali na cama tentando fazer ele voltar a dormir por duas horas. Sim, duas horas no meio da madrugada, mudando ele de lado, cantando baixinho, fazendo chiado, rezando até pra Deus. Quase desistindo eu fui tentar o último recurso, levantar e dançar com ele. Tentei, dancei, girei, cantei. Tava lá, aquele mini humano acordado e eu já sabia que não tinha feitiço que o faria voltar a dormir.

Olhei o relógio, 3:08 da manhã. Respirei fundo. Queria deitar no chão e chorar, chorar até aquilo tudo acabar e minha vida voltar ao normal. Lembrei que aquilo era o normal. Marido tava dormindo. A casa toda, os vizinhos, até os gatos, todos dormindo. Menos eu, menos o Marvin.

Eu ando me perguntando inúmeras vezes onde eu fui me meter. A vida tava lá, toda linda, eu com tempo sobrando pra sair pra jantar, ver minhas series, viajar, sair pra qualquer lugar sem ter que carregar uma casa e mesmo assim estar esquecendo algo, podia dormir em qualquer posição, tinha tempo pra curtir o marido, os amigos, e até eu mesma. Daí aparentemente eu achei que era ok ter um bebê, e que eu daria conta.

Fomos pra sala, Marvin tava todo feliz, brincou com o gato, com os brinquedos, queria fazer farra. Eu lá, com vontade de sair correndo, conversei e expliquei que não dava, era de madrugada, tem vizinhos, tem pessoas dormindo, e aparentemente Deus faz milagre e ele entendeu, brincou quieto.

Depois de uns 40 minutos na festa, eu vi ele cansando, peguei no colo, cantei, dancei, um mamazinho, e mágica, ele dormiu. Voltamos para o quarto, e aí eu juro que gostaria de escrever que deu tudo certo, e eu dormi pelo menos 5 horas seguidas e que passou. Mas não. Ele continuou mamando até a hora que eu decidi levantar, as 9 da manhã. Óbvio que eu não dormi e to muito cansada.

Eu juro que até raiva eu senti. Marvin acordou feliz, como todos os outros dias. Ficou me chamando, fez gracinha, deu risada, e eu ignorei, porque apesar de ser culpa dele eu estar extremamente cansada, eu não queria descontar naquele mini humano sorridente toda minha frustração de vida.

Fui tomar banho, olhei a temperatura, -34, achei melhor secar o cabelo. Marvin nunca tinha visto o secador e ficou lá rindo pra eu mostrar, eu continuei ignorando. Me troquei, e fui pegar meu ônibus, nem tchau eu dei.

Respirei aquele ar que congelou meu nariz. Pensei, pensei e pensei sobre tudo.

E aí lembrando da madrugada, eu ri, porque o Marvin subiu sozinho no sofá novo pra abraçar o gato.

Caiu a ficha. Esse é o amor de mãe né. Esse amor, que mesmo eu cheia de raiva por não ter dormido, por estar cansada ao ponto de dormir no ônibus, me faz amar aquele menininho sorridente, e pensar que perdi meu tempo não mostrando pra ele o que era o secador de cabelo.

Não tem problema, já já eu volto, dou um abraço apertado, digo o quanto eu o amo, e mostro pra ele o secador, e o umbigo, que esqueci de contar que ele ficou me mostrando que descobriu que ele também tem um.

Sério, ser mãe é o maior desafio que já tive na vida.

Hoje.

Hoje eu to aqui sentada num café no centro de Montreal, esperando minha amiga pra gente sair pra jantar, ouvindo uma musica, pensando na vida.

Até parece um dia bem normal da vida que eu costumava ter. Exceto pela culpa, que tá sentada aqui na cadeira do lado.

Não importa, eu sei que Marvin tá bem, tá em casa com o pai dele, provavelmente correndo, falando horrores e brincando. Mesmo assim eu me sinto mal por estar aqui, “fazendo nada” sendo que eu poderia estar lá com eles. Penso que o Léo já faz tanto, e que talvez eu não esteja sendo justa, afinal ele também faz dupla jornada. Fico pensando que talvez seria melhor eu voltar logo, pra que o Marvin não sinta muita falta, e juro, mais um monte de coisa se passa na minha cabeça agora.

E aí to aqui hoje, depois de uma noite sem dormir porque o bebê só quis ficar mamando à noite toda, pensei em voltar direto pra casa, mas a real é que eu preciso aprender a ter esses momentos só meus. Ou faço isso ou eu não dou conta. Ou faço isso ou o tempo que eu passo com meu filho não é de qualidade.

Eu que sempre fui ansiosa e complico tudo, ainda não me adaptei totalmente as demandas que a maternidade exige de mim. No fim, eu sei que Léo tem razão em dizer que eu preciso ser mais leve no meu maternar, que preciso entender que eu muitas vezes sou tudo o que o Marvin quer, e que tudo bem.

No fim eu sempre acabo frustrada. Se eu quero que Marvin durma cedo pra que eu possa resolver tantas coisas que preciso, óbvio que vai ser o dia que ele não quer dormir, e aí fico chateada. Mas quando ele dorme, fico mal por não ter aproveitado o tempo que eu tive com ele da forma que eu deveria. Frustração contínua de coisas que não posso controlar.

Aliás, tá ai o problema, a minha mania de querer controlar tudo o tempo todo, assim eu sei o que esperar e como agir em todas as situações. Ter um filho tá sendo um chacoalhão da vida todo dia pra me lembrar que eu não controlo nada na real.

E olha só, escrevendo aqui, eu pensei que talvez eu só devesse mudar o foco. A única coisa que eu posso realmente controlar é como me sinto e como eu penso sobre as coisas que acontecem. Então talvez eu só precise lembrar disso o tempo todo, especialmente nos dias que o cansaço me consome e eu me pergunto onde eu fui me meter.

Escrever hoje foi quase ter ido na terapia, e isso é sempre bom.

Então vou lá continuar esperando a amiga, vou aproveitar meu tempo com ela, tentando não me sentir culpada por não estar com meu filho, e depois chegando em casa eu vou poder aproveitar melhor meu bebê tão falante e sorridente.

Respira, não pira, como essa amiga já me disse uma vez.

Feliz 2019 pra mim.